Onde não existe gravidade, livre do peso da responsabilidade de viver nesse planeta doente.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

capítulo 1

Era o início de outubro, de um ano que não importava. Eles estavam no carro, voltando de um fim de semana no sítio do avô dele. Tudo havia sido perfeito, assim como o namoro de 3 anos havia sido até então. Nunca brigavam, ele estava sempre disposto a ouvi-la e acalmá-la. Pedro era o namorado perfeito, ou melhor, a perfeição em pessoa: 19 anos, educado, sincero, romântico, esforçado, inteligente e bonito. Como era bonito.
Ela também não ficava rebaixada perto dele. Alta, esguia, cabelos loiros e lisos, mas levemente encaracolados nas pontas. Olhos expressivos e de um castanho profundo, ainda mais destacados por cílios longos, quase que cruéis. Boca carnuda sempre coberta por um gloss levemente rosado que dava o toque final naquele rosto que parecia feito à mão. Era inteligente como ele, e tinha um esforço quase que doentio para que tudo estivesse em seu lugar certo, em seu eixo, perfeccionista como era. Tinha o sonho de fazer a faculdade perfeita, ter o casamento, os filhos e emprego perfeitos. Mas agora, ela estava simplesmente trajando um vestidinho de verão rosa claro e sandálias de marca igual ao seu nome. Melissa estava muda, com a cabeça apoiada no vidro do carro. Seus lindos olhos traziam uma expressão vazia. Naquele momento, se eles são mesmo a janela para a alma, sua alma estava vagando, explorando um lugar bem longe dali. Ele a perguntou se estava tudo bem, ela disse que sim. Sua clara fisionomia mostrava que não. Ela parecia estar pensando em algo que mudaria toda a sua vida. E estava.
Pedro parou o carro. Tinham regrassado, chegara a hora da despedida. Ele abriu a porta do carona, ela desceu e ele a segurou pela cintura, fechou a porta de maneira gentil, e empurrou a garota levemente contra o carro, mas firme. E a beijou. Um beijo tenro, delicado. Retribuído quase que com culpa. Deram-se as mãos e andaram até a porta da casa. Ela soltou a mão dele e finalmente disse alguma coisa.
- Eu quero terminar.
Ele riu.
- Mel, você não é de brincar, por que quer começar agora? Melhor você entrar logo, antes que eu não resista, te agarre e te leve pra minha casa!
Ela manteve a feição e então ele entendeu que ela não queria começar a brincar. Era sério. Aparentemente três anos de perfeição estavam sendo descartados. Pedro sentiu-se congelar, estremecer e ter seu coração fragmentado em milhões de pedaços. Pensou em tentar fazê-la mudar de idéia enquanto tentava controlar a dor, mas tudo que conseguiu fazer foi perguntar o porquê. O que poderia ter acontecido no final de semana? Se correra tudo bem, o que mais poderia abalar um relacionamento tão exemplar?
- Desculpa, pê. Não aconteceu nada. Eu só cansei disso. Cansei de tentar ser perfeita, cansada de todo esse marasmo, de toda essa perfeição. Eu não sei o que eu quero. Mas agora eu vejo que é bem diferente de tudo que consegui. Obrigada por todos esses anos e por todo o carinho. De verdade. Não me procura mais, por favor.
Dizendo isso, beijou-o na testa de forma estalada, abriu a porta, olhou-o mais uma vez, e entrou. Ele estava apático, parado exatamente onde ela o deixou. Então olhou pro chão, como quem procura pelo coração despedaçado, e dirigiu-se ao carro. Entrou, respirou fundo e foi embora. Pedro conhecia Melissa muito bem, e sabia que quando ela tomava decisões, ela não voltava atrás. Entretanto, não precisava conhecê-la por tanto tempo para saber que aquele último olhar era definitivo, ela não queria vê-lo nunca mais.

Um comentário:

thaic. disse...

essa parte especialmente merece palmas.
clap, clap, clap, clap .-.
continue, continue \0